Diz a lenda que, há muitas luas, tantas que já não se pode contar, um grupo de índios Dakota havia saído para caçar. Dois deles, que se haviam sentado em uma colina, viram surgir a leste, quando o sol saía no horizonte, uma estranha figura que avançava em direção a eles. À medida que se aproximava, deram-se conta que era uma bela mulher, trajada em um vestido branco de pele de veado e portando uma bolsa de mistério nas costas.
Vendo-a tão bela, um dos caçadores sentiu um grande desejo por ela e contou a seu companheiro, mas este, alarmado, o advertiu que seguramente se tratava de uma mulherwakan (sagrada), que servia de intermediária entre o Céu e a Terra e que, portanto, não lhes eram permitidos tais pensamentos. Mas estando já a poucos passos, a mulher chamou o jovem que se sentia atraído e uma grande nuvem desceu e os ocultou. Pouco depois, ao se desfazer a nuvem, apenas alguns ossos ficaram aos pés da estranha mulher e uma serpente se afastou pelo chão.
“Não esqueças o que acabas de ver!”, disse a mulher ao outro caçador Dakota, e continuou: “Venho trazer uma mensagem a teu povo e devo falar com teu chefe, Corno Oco Erguido. Vá e diga a ele que levante uma grande tenda e reúna nela todo seu povo.”
O rapaz voltou rapidamente ao acampamento e relatou o ocorrido. Sem perder tempo, Corno Oco Erguido ordenou que se montasse uma grande tenda cerimonial, seguindo as instruções da Mulher Celeste. A tenda devia ser uma imagem do universo; para construí-la, foram colocadas 28 estacas em um círculo, cada uma das quais representando um aspecto do mundo, todas unidas a um pilar central, mediante varas transversais.
O círculo completo simbolizava a totalidade do universo e o pilar do meio simbolizavaWakan Tanka, o Grande Espírito, centro e sustentação da Criação, de onde se originam e para onde retornam todas as coisas.
Enquanto isto, o povo todo se preparava para a estranha visita, colocando suas melhores vestimentas de pele de veado. Com grande expectativa, reuniram-se na grande tenda, aguardando impacientes a chegada da misteriosa mulher. Assim que a viram se aproximando, seu aspecto maravilhou a todos, por seu porte grave e sua distinção.
A Mulher Sagrada atravessou o umbral do recinto cerimonial que, como todos os tipis, olhava para leste, pois este é o lugar onde surge o sol e de onde vem, consequentemente, a luz e o conhecimento. Andando em círculo no sentido do sol, dirigiu-se a Corno Oco Erguido, que ocupava seu lugar no fundo da tenda, no lado oeste, de frente para a entrada.
“Veja o que trago para vocês!” exclamou, enquanto sustentava nas mãos a bolsa de mistério. “Esta bolsa guarda a Calumet, a Pipa Sagrada; devereis amá-la e venerá-la para sempre, porque levará vocês, vossos filhos e aos filhos de vossos filhos pelo caminho que conduz a Wakan Tanka. Através dela, nos próximos invernos, enviareis vossa mensagem ao Grande Espírito, e ele os protegerá.”
Levantando o cachimbo ao céu para que o fumo subisse ao espaço, a Mulher Celeste acrescentou: “Vim para instruí-los no uso desta pipa venerável. Com ela caminhareis pela Terra que é vossa Mãe, como se cada passo fosse uma oração, pois ela lhes dá a vida e seu seio alimenta tudo que existe. Deveis lembrar que a Terra está cheia de mistério, pois nela vocês põem os pés e a partir dela elevais vossas orações ao Grande Espírito, que está no Céu e é vosso Pai. Quando rezardes, levantem a mão ao espaço e depois a coloquem no chão, pois não provém do Céu vosso espírito e da Mãe Terra vosso corpo, e para lá voltarão?” A pipa será vossa intermediária, já que seu fumo sagrado se eleva até às alturas. Por ela, quando celebrardes este rito, deveis saudar e oferecê-lá às seis direções: os quatro pontos cardeais, ao céu e à terra.”
A Mulher Sagrada mostrou o fornilho da Calumet, para explicar: “Assim como o fumo representa o Céu, o fornilho é o símbolo da Terra. Por este motivo, fabricareis este em pedra vermelha, pois tal é a cor da Terra. Dareis a ele a forma de um templo, reproduzindo Tatanka, o Búfalo, que é o expoente de todos os povos quadrúpedes e é vosso parente mais próximo, pois lhes supre de alimento e vestimenta e se reúne em tribos como vocês. Por dar vida e sustento,Tatanka também simboliza a Terra. Tenham sempre presente que todos os seres que estão sobre ela são parentes entre si, são sagrados e devem ser tratados como tais.”
Referindo-se logo a outras partes da Calumet, a Mulher wakan continuou: “O tubo é de madeira, também imagem da Terra, pois representa tudo que cresce sobre ela. Olhem agora as quatro tiras de cores: são as Quatro Regiões do Universo. A vermelha é o leste, de onde vem a luz e, em consequência, o conhecimento e a paz; a amarela é o sul, que é a fonte da vida e da felicidade, pois envia o verão; a preta simboliza o oeste, onde vivem as aves que trazem a chuva, de lá recebemos a revelação; a branca é o norte, onde nasce o grande vento frio que purifica e dá força.”
Por último, a Mulher falou das penas: “As doze penas são de Wambali Galeshka, a Águia Salpicada, que é capaz de ver tudo que há na terra e no céu, porque voa mais alto que todos e representa todos os povos alados.”
Deixando de lado a Calumet, tomou então uma pequena pedra que trazia em sua bolsa de mistério: “Este seixo é da mesma pedra vermelha que o fornilho e é a terra na qual deveis viver. Por isto, vocês são o povo vermelho e devem seguir o caminho vermelho, que une o norte e o sul, pois é a via reta e boa. A partir de agora, a Pipa Sagrada estará nesta terra vermelha e com ela elevareis vossas orações.”
Continuando, explicou os ritos que deveriam ser realizados com a Calumet: “Olhem com atenção estes sete círculos que têm na pedra vermelha: simbolizam os sete ritos que deverão ser celebrados com este Cachimbo. O círculo maior representa o primeiro que vou ensinar: a custódia do wanaghi, a alma. Mediante este ritual, purificareis as almas dos mortos e acrescentareis vosso amor ao próximo que os seguir. Sempre que a alma de um de vocês acompanhá-los, podereis falar por intermédio dela com Wakan Tanka. Por isto, o dia em que qualquer um de vocês morrer será sagrado e sua alma deverá ser zelada, para que lhes dê poder. Mas igualmente sagrado é o dia em que a alma se liberta e retorna à sua origem, que é o Grande Espírito, pois neste dia quatro mulheres serão santificadas e seus filhos caminharão pelo caminho da vida segundo o Mistério, servindo de exemplo ao povo.
Então a Mulher Wakan se preparou para sair e se dirigiu uma última vez a Corno Oco Erguido e seu povo. “Olhem a Pipa Sagrada! Ela os unirá com todos os vossos antepassados, vosso Avô e Pai, vossa Avó e Mãe. Lembrem sempre de quão venerável ela é e a tratem com a consideração que lhe é devida, pois lhes foi dada para que obtenham o conhecimento. Ela os fará lembrar de mim, pois estarei velando por vocês e no final de cada uma das quatro idades, voltarei. Eu sou Ptesan Win, a Mulher Búfalo Branco, e sou sagrada, pois venho do céu para trazer-lhes a mensagem do Grande Espírito e, ao mesmo tempo, sou a encarnação da Terra, pois represento tudo que existe e cresce nela.
Finalmente saiu da tenda, dando a volta pelo lado norte da mesma e começou a afastar-se. Contudo, pouco depois se deteve e se sentou de frente para o acampamento. Ao se levantar, havia se convertido em um búfalo vermelho que, alguns passos mais adiante revirou-se no chão, olhando novamente para o povo. Quando se pôs em pé, o búfalo agora era branco. Seguiu caminhando, para novamente revirar-se na terra e se transformar num búfalo negro que, depois de se inclinar nas Quatro Regiões do universo, os quatro pontos cardeais, afastou-se até que sua figura ficou oculta por detrás da colina, de onde havia surgido.
Fonte: Marta Vanaya - Mitos y Leyendas Algonkinos e Sioux