Respiro… 1, 2, 3, 4.
Encho o peito de ar,
retenho-o nos pulmões e aspiro. Fecho os olhos e respiro.
No meio do nada,
vislumbro a minha árvore. A minha árvore é um carvalho de raízes muito fundas,
e que alcançam todas as direcções. A sua casca cinza e nodosa encerra segredos.
Cada ranhura, um desenho que se abre como uma flor, uma janela para o outro
mundo. Um mundo dentro deste. Um mundo imenso que emerge da casca do meu
carvalho.
Uma ranhura, uma
janela, um presente que eu ouso espreitar e que foi destinado a mim.
Respiro… 1, 2, 3, 4.
A dor amenizou. Sinto
as lágrimas contidas, e sinto o calor que a minha árvore emana para mim e que
me regenera cada célula do meu corpo.
Espreito para o que
fui, eu própria, outrora.
Num arrepio, sinto as
minhas mãos dentro de água. Água que ferve, mas não queima. Calor do Amor em
cada gesto de mão, que mexe dentro de um caldeirão. E a água em que mergulham é
azul, como a cor do céu em noite de mistérios.
- Como consegues
acertar sempre na cor? – Ouço a voz de uma criança, por trás de mim e viro-me
na direcção de uma jovem rapariga de tez muito morena e cabelos negros e
encaracolados. Soraia veio para aprender, de uma terra árida e muito distante.
Olho por trás dela,
tantas cabeças… olhos curiosos e sorrisos envergonhados, com sede de
conhecimento.
A Deusa fora generosa
este ano. Em duas luas, voltámos a ter crianças que vieram para aprender,
connosco, os mistérios.
Respiro… 1, 2, 3, 4.
De novo a emoção
contida na garganta.
Não consigo falar. Enquanto
isso, as minhas mãos entregam mais panos ao caldeirão. A cor agora, já bem
definida, azul como o céu em noite de mistérios. Aligeiro o fogo, limpo as mãos
a um pano e mergulho uma longa colher de madeira, com um cabo bem grosso para
não se partir, com o peso dos panos molhados.
Elas acham que o que
eu faço é magia, mas é apenas um truque e o amor com que manuseio as plantas e
com que misturo os pigmentos.
1, 2, 3, 4… respiro.
Dava tudo para voltar
atrás!
E eis que, a ranhura
da minha árvore, volta a ser uma parte nodosa. A janela e o mundo que eu
conheci com ela, desapareceu.
O meu carvalho
permanece imóvel. Diz-me para respirar e eu respiro… 1, 2, 3, 4.
- Não precisas de
esquecer o passado! O passado completa-te.
Respiro… a dor volta
novamente. Sinto que, nunca conseguiria esquecer o meu passado. Só gostaria de
poder retornar.
- Respira!
E eu respiro… 1, 2, 3,
4.
Não consigo, a dor
voltou. A saudade…
Não consigo respirar,
não consigo nem chorar!
Toco a minha árvore,
que encerra tantos segredos do meu passado. Todo o meu corpo treme. Percorro
com os dedos, ranhura a ranhura do seu tronco nodoso.
- Respira!
Mas eu não consigo! E
ela recolhe-se ao meu toque, e a minha visão estreita enquanto ela desaparece
lentamente, envolta em névoa.
As lágrimas embaciam
os meus olhos, mas não correm. Eu compreendo o que ela quer.
Mas não consigo
respirar neste momento.
Espero no silêncio.
Na Escuridão nada há.
E no silêncio, nada se
ouve.
Então, corajosamente,
tento mais uma vez e respiro… 1, 2, 3, 4.
E os pêlos do meu
pescoço levantam-se no ar, sinto as narinas molhadas, o cheiro é imenso e
intenso. A minha audição alcança o grasnar das garças e dos cisnes que habitam
as margens do lago, daquela minha infância. E a vontade de correr para lá é
tanta, que em meio da minha saudosa solidão, estico cada músculo do meu corpo e
a cabeça atiro-a para trás, e da minha garganta, entre lágrimas e tristeza
reprimidas, solta-se um rugido. Um rugido ensurdecedor.
Não sou capaz de
parar.
Um rugido
ensurdecedor, que se solta da minha garganta e ecoa no nada, entre silêncio e
escuridão. E outro rugido, e depois outro… e outro. E, finalmente, as lágrimas
contidas, caiem. Sinto o cheiro da terra molhada.
Abro os olhos na
escuridão e sinto que o vazio é onde, realmente eu estou.
No Nada, no grande
vazio da minha vida.
E agora, para onde
vou?
Ísis de Sírius
16h14m – 26/03/2010