" Leve é o Corpo que se solta, Livre é a Alma que se entrega ao Amor.... Segue O que se ergue no Horizonte!"

- Grande Mãe, recebida por Ísis de Sírius

25 setembro, 2012

Memórias...




Respiro… 1, 2, 3, 4.
Encho o peito de ar, retenho-o nos pulmões e aspiro. Fecho os olhos e respiro.
No meio do nada, vislumbro a minha árvore. A minha árvore é um carvalho de raízes muito fundas, e que alcançam todas as direcções. A sua casca cinza e nodosa encerra segredos. Cada ranhura, um desenho que se abre como uma flor, uma janela para o outro mundo. Um mundo dentro deste. Um mundo imenso que emerge da casca do meu carvalho.
Uma ranhura, uma janela, um presente que eu ouso espreitar e que foi destinado a mim.
Respiro… 1, 2, 3, 4.
A dor amenizou. Sinto as lágrimas contidas, e sinto o calor que a minha árvore emana para mim e que me regenera cada célula do meu corpo.
Espreito para o que fui, eu própria, outrora.
Num arrepio, sinto as minhas mãos dentro de água. Água que ferve, mas não queima. Calor do Amor em cada gesto de mão, que mexe dentro de um caldeirão. E a água em que mergulham é azul, como a cor do céu em noite de mistérios.
- Como consegues acertar sempre na cor? – Ouço a voz de uma criança, por trás de mim e viro-me na direcção de uma jovem rapariga de tez muito morena e cabelos negros e encaracolados. Soraia veio para aprender, de uma terra árida e muito distante.
Olho por trás dela, tantas cabeças… olhos curiosos e sorrisos envergonhados, com sede de conhecimento.
A Deusa fora generosa este ano. Em duas luas, voltámos a ter crianças que vieram para aprender, connosco, os mistérios.
Respiro… 1, 2, 3, 4.
De novo a emoção contida na garganta.



Não consigo falar. Enquanto isso, as minhas mãos entregam mais panos ao caldeirão. A cor agora, já bem definida, azul como o céu em noite de mistérios. Aligeiro o fogo, limpo as mãos a um pano e mergulho uma longa colher de madeira, com um cabo bem grosso para não se partir, com o peso dos panos molhados.
Elas acham que o que eu faço é magia, mas é apenas um truque e o amor com que manuseio as plantas e com que misturo os pigmentos.
1, 2, 3, 4… respiro.
Dava tudo para voltar atrás!
E eis que, a ranhura da minha árvore, volta a ser uma parte nodosa. A janela e o mundo que eu conheci com ela, desapareceu.
O meu carvalho permanece imóvel. Diz-me para respirar e eu respiro… 1, 2, 3, 4.
- Não precisas de esquecer o passado! O passado completa-te.
Respiro… a dor volta novamente. Sinto que, nunca conseguiria esquecer o meu passado. Só gostaria de poder retornar.
- Respira!
E eu respiro… 1, 2, 3, 4.
Não consigo, a dor voltou. A saudade…
Não consigo respirar, não consigo nem chorar!
Toco a minha árvore, que encerra tantos segredos do meu passado. Todo o meu corpo treme. Percorro com os dedos, ranhura a ranhura do seu tronco nodoso.
- Respira!
Mas eu não consigo! E ela recolhe-se ao meu toque, e a minha visão estreita enquanto ela desaparece lentamente, envolta em névoa.
As lágrimas embaciam os meus olhos, mas não correm. Eu compreendo o que ela quer.
Mas não consigo respirar neste momento.
Espero no silêncio.
Na Escuridão nada há.
E no silêncio, nada se ouve.
Então, corajosamente, tento mais uma vez e respiro… 1, 2, 3, 4.
E os pêlos do meu pescoço levantam-se no ar, sinto as narinas molhadas, o cheiro é imenso e intenso. A minha audição alcança o grasnar das garças e dos cisnes que habitam as margens do lago, daquela minha infância. E a vontade de correr para lá é tanta, que em meio da minha saudosa solidão, estico cada músculo do meu corpo e a cabeça atiro-a para trás, e da minha garganta, entre lágrimas e tristeza reprimidas, solta-se um rugido. Um rugido ensurdecedor.
Não sou capaz de parar.



Um rugido ensurdecedor, que se solta da minha garganta e ecoa no nada, entre silêncio e escuridão. E outro rugido, e depois outro… e outro. E, finalmente, as lágrimas contidas, caiem. Sinto o cheiro da terra molhada.
Abro os olhos na escuridão e sinto que o vazio é onde, realmente eu estou.
No Nada, no grande vazio da minha vida.
E agora, para onde vou?


Ísis  de Sírius
16h14m – 26/03/2010